O post de hoje é de autoria de Bruno Ribeiro Nascimento, doutorando em filosofia (UFRN) e Professor de Filosofia na Faculdade Internacional Cidade Viva. Bruno também é líder do Grupo de Estudos da ABC² em João Pessoa/PB.
Nos últimos dias vem rolando pelas redes sociais a charge acima. A ideia é que os religiosos estão tão temerosos com o coronavírus que estão apelando não para Deus, mas para a ciência.
A charge pressupõe uma contradição entre a ação de Deus no mundo e a ação dos cientistas. No teísmo, Deus age efetivamente no mundo. No entanto, algumas pessoas acreditam que isso gera uma contradição, pois ou Deus age no mundo ou o ser humano age no mundo e não é possível conciliar essas duas realidades. Essa é a ideia de cientistas clássicos como Pierre Laplace que, ao ser questionado sobre qual seria o papel de Deus em seu modelo, afirmou que “não precisava dessa hipótese”. (Quem concorda com Laplace provavelmente pressupõe o seguinte “forte” argumento: (i) Fiz um experimento científico ou uma observação dos astros; (ii) não notei interferência divina; (iii) logo, Deus não existe.)
Contudo, onde está exatamente a contradição entre Deus agir livremente no mundo e os cientistas agirem também? Por que pressupor um dualismo tão crasso entre natural e sobrenatural se, dado o teísmo, o Deus do sobrenatural é também o Deus do natural? Dado o teísmo, Deus deu sabedoria e inteligência ao ser humano justamente para fazer isso! Essa dicotomia entre “natural” e “sobrenatural” já está há muito ultrapassada na filosofia analítica da religião. A ciência é perfeitamente compatível com a ação divina no mundo e até hoje ninguém ofereceu um mínimo argumento decente do porque haveria uma contradição aí.
Segundo, do ponto de vista histórico é sabido que a ciência floresceu em um contexto teísta. Bacon, Galileu, Copérnico, Kepler, Newton eram todos cristãos que trabalharam a partir de uma cosmovisão cristã no estudo da natureza.
Além disso, do ponto de vista filosófico, é possível fornecer um bom argumento de que a ciência consegue se desenvolver melhor em um contexto teísta, pois o teísmo oferece as pressuposições de que o cientista precisam quando entram em um laboratório: o teísmo defende que a natureza é boa e é real, de que podemos confiar nas nossas capacidades cognitivas, que podemos adequar nosso intelecto a realidade, que o mundo é confiável e regular, que existem leis na criação e que podemos efetivamente descobrir essas leis, que podemos esperar das nossas teorias científicas simplicidade, elegância, beleza, fecundidade e consciliência (convergência com outras hipóteses). Essas são virtudes epistêmicas que, muito enfaticamente, o naturalismo e o pós modernismo não têm.
Assim, quer ele queira, quer não, é o cientista que precisa subir nos ombros dos teístas para que seja possível concretizar seus experimentos científicos. Quando entra no laboratório, o cientista precisa olhar para o microscópio como o padre olha para o mundo. Ele precisa pressupor o universo tal como pensado pelos teístas.
Claro que não se deve exigir precisão filosófica de uma charge. Contudo, ela além de reforçar concepções ultrapassadas sobre as relações entre ciência e religião, coloca a ciência em um pedestal que faz mal a própria atividade científica.
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