Esta posição dá um passo adiante, admitindo que ciência e religião têm algo a dizer uma para a outra. Enquanto a independência enfatiza as diferenças entre os dois campos, os defensores do diálogo trazem à tona as semelhanças entre os dois discursos. Estas semelhanças se dariam principalmente nos pressupostos, nos métodos e em alguns conceitos.
Segundo Thomas Torrance, a possibilidade do diálogo começa a se abrir por que “a ciência propõe questões fundamentais que não consegue resolver”. (TORRANCE, 1979, p. 347) Ou seja, em áreas em que seus interesses se sobrepõem, o diálogo emerge. Essas áreas não são difíceis de se identificar, por exemplo, em questões-limite, ou fronteiriças, levantadas por exemplo pela astronomia: o que havia antes do Big-Bang? O universo é infinito? Por que o universo parece ser tão bem ajustado para o aparecimento da vida, e da vida humana inclusive? Outras questões surgem a partir de situações-limite: Há vida após a morte? Qual a relação de mente e corpo? Todas estas questões envolvem diálogo entre cientistas e teólogos.
Outra possibilidade para o diálogo advém do reconhecimento de paralelos metodológicos e conceituais entre ciência e religião. Os paralelos metodológicos emergem a partir de um reconhecimento de que a ciência não é na realidade tão “objetiva” quanto normalmente alardeia-se, e nem a religião tão subjetiva quanto se pensava. Thomas Kuhn argumenta que a ciência é feita de paradigmas que emergem de tradições culturais, o que é similar à perspectiva secular de religião, e que a escolha de paradigmas é um julgamento com critérios não previamente determinados, cabendo à comunidade científica julgá-los. “Assim, discrepâncias entre a teoria e os dados podem ser deixadas de lado como anomalias, ou reconciliados por meio da inserção de hipóteses ad hoc, e o mesmo pode acontecer e acontece com a religião”. (KUHN, 1996, apud BARBOUR, 2000, p. 41)
Barbour aponta que os dados científicos não são independentes das teorias, mas viciados por elas. Os pressupostos teóricos interferem na seleção, interpretação e descrição de dados. Além disso, teorias não surgem da análise lógica dos dados, mas de atos de imaginação criativa, nos quais analogias e modelos tem frequentemente um papel. (BARBOUR, 2000, p. 42)
Analogias e modelos são usados em ciência e em religião, e aqui surge outro paralelo. Arthur Peacocke, outro prolífico autor na área de ciência e religião, ilustra e expande este ponto quando fala dos físicos, para os quais “seus modelos e hipóteses são ‘candidatos à realidade’, ou seja, hipóteses sobre um mundo real (mas apenas imperfeitamente conhecido) do qual os modelos se aproximam e as hipóteses genuinamente se referem”. No entanto, eles estão comprometidos, sob a base de evidências passada e experiência atual, a, por exemplo ‘crer’ nos elétrons – ou seja, eles não conseguem organizar as suas atuais observações sem afirmar que os elétrons existam. O que eles creem sobre os elétrons pode muito bem mudar, o que de fato já ocorreu muitas vezes, mas são elétrons a que eles ainda se referem, por causa das longas conexões sociais que remontam às primeiras ocasiões quando eles foram ‘descobertos’. Então, os físicos estão comprometidos a ‘crer’ na existência dos elétrons, mas continuam hesitantes em dizer o que os elétrons são, estando sempre prontos a novos modos de pensar sobre eles que venham a aumentar a confiabilidade de suas previsões e tornar seu entendimento mais totalitário com respeito à gama de fenômenos para os quais este entendimento é relevante. (PEACOCKE, 1979, p. 21-22)
Ele argumenta que a religião e os religiosos fazem exatamente a mesma coisa, fazendo assertivas sobre a realidade usando termos e conceitos com os quais estão comprometidos, mas que estão em constante transformação e reforma, mesmo que a sua referência não mude, como o elétron.
As analogias e modelos normalmente ocorrem nas ciências no campo do muito grande (astronomia e astrofísica) e do muito pequeno (física quântica), nos ajudando a imaginar o que não é possível observar diretamente, assim como é típico na religião.
Em suma, os autores que defendem o diálogo reconhecem que há diferenças significativas entre ciência e religião, principalmente metodológicas. No entanto, há paralelos significativos que merecem ser trabalhados, para enriquecimento de ambas.
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Artigo produzido por Tiago Valentim Garros, Biólogo, Mestre em Teologia, Doutorando pela Faculdade EST. Bolsista da Capes. E-mail: tiagogarros@gmail.com