O dia 12 de fevereiro é conhecido internacionalmente como “Darwin Day”, pois celebra o nascimento de um dos homens que mudou a história da humanidade – literalmente e metaforicamente. Charles Darwin (junto com o frequentemente esquecido Alfred R. Wallace) desvendou o principal mecanismo através do qual as espécies se modificam ao longo do tempo, e chamou-o de “seleção natural”.
Mudou a história da humanidade literalmente porque desvendou o processo biológico que, ao longo da história do planeta, deu origem a nós, juntamente com todas as outras espécies de seres vivos. E metaforicamente porque o impacto de sua descoberta reverberou e reverbera até hoje, em muitas áreas das ciências naturais, mas também nas humanas, e é claro, na religião.
Falando nela, o mesmo dia 12 de fevereiro é promulgado por alguns como “dia do orgulho ateu”, justamente por ser o dia do nascimento de Charles Darwin. Naturalmente, pode afirmar o leitor, pois afinal, trata-se de Darwin – “O Homem que Matou Deus”, conforme dizia a capa de uma conhecida revista de divulgação científica brasileira alguns anos atrás. Mas será que Darwin aceitaria numa boa tal pecha, e tal data, que associa seu nome ao ateísmo?
Sabemos, tanto por sua obra máxima quanto por sua amplamente estudada biografia, que CERTAMENTE não. Seu livro “A Origem das Espécies”, desde a primeira edição lançada em 1859, contém referências a Deus como “o Criador”, e a consagrada e mais conhecida 6ª edição, onde ele reescreveu uma de cada 3 frases da versão original, contém inúmeras referências a Deus. Durante sua viagem no navio Beagle, seus muitos cadernos de anotações trazem observações teológicas, menções a divindade e até mesmo expressões de louvor a Deus. Também pudera, alguns poucos anos antes de embarcar ele foi estudar em Cambridge com vistas a ser clérigo da Igreja Anglicana.
É verdade sim, que Darwin foi perdendo a fé ao longo de sua vida, mas ele jamais se declarou ateu. O consenso entre seus biógrafos, revelado por cartas e escritos, é de que ele passou por períodos de deísmo (a crença no chamado “deus-dos-filósofos”, em que há um deus-arquiteto que planejou e desenhou o universo, mas que ele não se relaciona com a humanidade) e terminou a vida como um agnóstico (alguém que afirma que não sabe, ou que não se pode saber, se Deus existe ou não).
Mas e sua obra? Ela não destronou de vez o Deus judaico-cristão do papel de criador de tudo? Para alguns, sim. Para Darwin, não. E para muitos de seus contemporâneos religiosos, também não. Charles Kingsley, clérigo amigo de Darwin, escreveu: “já sabíamos há muito tempo que Deus era tão sábio que poderia fazer todas as coisas. Mas veja, ele é ainda mais sábio do que isso, e fez com que todas as coisas se fizessem a si mesmas!” Darwin via sua teoria como a descoberta de “leis que o Criador imprimiu na matéria” (palavras suas), e que agora eram desveladas. Assim como Newton havia descoberto leis que regiam o movimento da matéria, sua teoria da evolução era a descoberta das leis que regiam o surgimento das espécies. Darwin, na “Origem” mesmo, diz que não conseguia “encontrar uma boa razão para justificar por que motivo a minha teoria há de chocar os sentimentos religiosos de quem quer que seja”. Para ele, sua descoberta poderia ser facilmente entendida como a maneira que Deus usou para criar.
Então, feliz Darwin Day, para ateus, agnósticos, e por que não, cristãos!
Tiago Garros é PhD e Mestre em Teologia pela Faculdades EST, Licenciado em Ciências Biológicas pela UFRGS. É pesquisador na área da interface entre ciência e religião com ênfase em Darwin e o movimento evangélico. Também é colaborador da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência e coordenador do TheoLab. Contato: tiago@theolab.org.br.
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Gostei muito do texto.